– Perspectiva cultural do desenvolvimento



     O Centro de Estudos Regionais - C.E.R., por abreviatura - foi, em tempos, convidado a participar num debate centrado sobre os problemas relacionados com o desenvol­vimento económico, social e cultural da nossa área geográfica.
    A criação do Centro de Estudos Regionais, em 1978, visava responder à carên­cia de uma instituição que se interessasse pelo estudo, valorização e defesa dos valores culturais, humanos e naturais do Alto Minho. Es­tava então na fase de arran­que a onda associati­vista, que tão larga amplitude viria a alcançar nos dez anos seguintes. O Centro de Estudos Regionais desem­pen­hou um importante papel no desenvolvi­mento cultural do distrito e particularmente do concelho de Viana do Castelo.
   A sua acção tem-se estendido a vários sectores. Coube-lhe um papel importante na criação do Instituto Politéc­nico e das várias Escolas do Ensino Superior no Alto Minho. Desenvolveu intensa ac­tividade na defesa dos valores ambientais, designada­mente da orla costeira e das águas dos rios, e contribuiu significativamente para evitar a construção da central térmica a carvão, no distrito de Viana do Castelo.
   Muitas das suas acções realizaram-se em colabora­ção com outras entidades - Governo Civil, Câmaras Municipais, Região de Turismo do Alto Minho, escolas, associações culturais e outras - inaugurando uma era de maior cooperação institucional na região, indepen­dentemente das conotações políticas ou ideológi­cas, que tanto haviam servido para dividir pessoas e institui­ções interes­sadas na pros­secução dos mesmos objec­tivos.
Múltiplas escavações arqueológicas foram realizadas (Facha, Calheiros, Beiral do Lima, Lanheses, S. Francisco do Monte, Lobelhe, Gondomil), e um importante lavor foi desenvolvido no estudo de figuras e factos, cuja lição ainda é proveitosa no presente e no futuro.
  Embora de âmbito regional, o CER nunca pôs de lado as relações e actividades de intercâmbio com outras regiões do país e com a Galiza.
Os numerosos estudos realizados pelos associados serviram muitas vezes de ponto de apoio para a defesa dos valores regionais, desde os trabalhos arqueo­lógicos, históricos, etnográficos, antropológicos, geográficos e ecológicos, em grande parte divulgados através da secção editorial, em que encontramos uma das melhores expres­sões do Centro de Estudos Regionais, concretizada no lançamento de edições próprias ou em colaboração com outras instituições, na publicação da revista ESTUDOS REGIONAIS e no apoio ao ARQUIVO DO ALTO MINHO.
 É em nome do saber nascido destas e de outras experiências, que se apresenta esta breve reflexão.
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     1. A cultura não é dissociável das outras actividades humanas... A cultura é em termos gerais aquilo que caracteriza o homem como tal, que o torna humano, distinguin­do-o no meio da natureza. O desenvol­vimento, repete-se muitas vezes, sem atingir o verdadeiro alcance da afirmação, não significa apenas progres­so material, porque implica o crescimento harmonioso do homem em todas as suas dimensões, sem esquecer a liber­dade/responsabili­dade e creativida­de/consciência de si e do mundo. A revolução industrial já nos ensinou como é per­nicioso um crescimento conseguido à custa da submissão e da ignorân­cia.
     Mas se o homem deve ter uma preparação cultural que o ajude a tomar consciência, a assumir e a perspectivar a sua acção no mundo, torna-se claro que a cultura não é uma realidade que se possa separar da restante actividade humana, porque toda a actividade deve ser cultural. Não é fácil encontrar um lugar para certas formas decaden­tistas de cultura que a encaram como um práticas de coisas apenas acessíveis a alguns raros inicia­dos. Dizer isto não significa cair na concepção oposta, segundo a qual a cultura não devia ir além das manifestações popularu­chas ao alcance de todos. Há diversos níveis de cultura, cuja elevação é de promover sucessiva e gradualmente; ao mais alto nível situam-se os que fazem expressamente da cultura a sua vocação e a sua missão, e a sua intervenção é exigida pela neces­sidade de estimular a criação e de renovar.
    Observa-se por todo o lado - e isso é muito claro em orçamentos e planos de actividades - uma delimitação acentuada entre a cultura e tudo o mais, ou seja, a economia, a adminis­tra­ção, as obras públicas. A cultura lá fica para algumas festas, para os subsídios destinados a manter tranquilos alguns intelectuais incómodos. Por vezes até se destingue a cultura da instrução, que é só nisso que se pensa quando se diz «educação» e se refere o mundo escolare, talvez porque algumas vezes a escola não forma homens mas apenas seres capazes de ler as instruçoes que os levam a enquadrar-se no mundo das máquinas com que se faz o crescimento industrial. Talvez por isso mesmo haja autarquias que se sentem tentadas a destinar ao desporto todas ou quase todas as suas verbas referidas ao cultura, porque o desporto ajuda ao crescimento físico, à formação de seres robustos para o trabalho - e fica-se por aí, sem explorar e potenciar a sua vocação pedagógica. `As vezes ainda há alguma atenção para as exposições e amostras de artesanato ou certas realizações próximas, não pelo seu valor cultural (de que tantas vezes e por isso mesmo os seus agentes quase se envergo­nham), mas porque constituem modalidades económicas alternativas, funcionam como meio de atracção de foras­teiros, e por isso, mais uma vez se apresentam como simples fonte de proventos económi­cos.
     Se a cultura é aquilo que torna o homem mais consciente de si, que o torna mais aberto e mais humano, ela exige um espaço de liberdade e creatividade interior, do indivíduo e das comunidades, e ao mesmo tempo o seu relacionamento com o exterior, do indivíduo e das comunidades. Uma cultura fechada corre o risco de se asfixiar e mumificar, perdendo a vida e a capacidade de se renovar. Uma cultura importada, feita exclusiva ou predominantemente da introdução e imitação de manifes­tações concebidas no exterior nunca encontra­rá terreno propício a um florescimento adequado. A acção cultural das instituições deve pois orientar-se nestes dois rumos: desenvolvimento dos valores locais, enriqueci­mento através dos contactos em múltiplas direcções estabelecidos com o exterior, estímulo da creatividade para encontrar novas formas e conteúdos.

     2. Destas breves considerações queríamos tirar algumas conclu­sões:

   2.1. É necessário não apenas dar uma grande ou maior atenção dada à cultura no planeamento administrativo, mas realizar um planeamen­to e uma acção verdadeiramente cultural.
  2.2. É necessário reconhecer o papel da cultura, simples­men­te «cultura», sem necessidade de recorrer a subterfúgios, de falar de desenvolvimento «socio-cultural» ou «económico-sócio-cultural», porque tudo o que é económico só é humano se for cultural, e tudo o que é social so o é e só é humano porque é cultural.
   2.3. É necessário apoiar-se nas instituições locais, para o desenvolvimento de uma verdadeira acção cultural.  O desenvol­vimen­to cultural de um município do interior nunca se pode fazer apenas com as orquestras e o grupos de teatro, ou com os engenheiros e doutores idos de Lisboa e do Porto, mas tem de passar por muitas outras cambiantes. Sirva-nos de exemplo o que não raramente acontece nas escolas, onde muitas vezes se falha por carência de uma verdadeira inserção nas realidades locais: os programas são elaborados na capital, os livros são feitos longe, os professores vem de fora e muitas vezes não tem o mínimo conhecimento das realidades vivenciais dos seus alunos. Como poderão ajudá-los a compreender, a desenvolver e a valori­zar as suas capacidades individuais e comunitárias, se a elas são alheios? A reforma do ensino, processo que nunca mais se poderá considerar terminado, mas sempre em curso, há-de, no futuro, aproximar mais os alunos das suas raízes cultu­rais.
    É através do apoio às instituições que nascem e se desen­volvem localmente que se pode partir para uma acção mais enraizada e fecunda. Terá porém de estar atento o olhar dos responsáveis, porque nos últimos tempos a indiscriminada concessão de subsí­dios ou a facilidade de acesso a alguns fundos tem permitido o apareci­mento de grupos de oportunistas que se arvoram em mentores e líderes de pretensas instituições cultu­rais, às vezes recorrendo a nomes pretensiosos, capazes de sugerir competências não existentes, com a mira do lucro ou do prestígio fácil, em detrimento de associações honestas e generosas e, por vezes até, em prejuízo da nossa boa imagem mesmo no estrangeiro. Haverá que distinguir o âmbito espacial das associações, as áreas em que poderão exercer uma acção profícua com verdadeira competência.
   Propositadamente se deixa para outra altura a abordagem de uma nova forma de encarar não direi já a cultura mas o modo de a difundir, adoptando os esquemas empresariais da vida moder­na...

   3. Uma atenção muito especial merecem os bens materiais que testemunham de um modo muito privilegiado a nossa idiossincracia cultural. Sem querer entrar na discussão sobre a capacidade de o Alto-Minho poder constituir uma unidade administrativa ou económi­ca, creio estar fora de dúvidas que o Alto Minho possui uma in­dividualidade cultural que lhe é própria e que se cimentou ao longo de séculos, dando como resultado uma das culturas regionais mais características do norte de Portu­gal. Os vianen­ses, ou, para não termos dúvidas sobre a expressão, os alto minhotos sentir-se-iam felizes quando pudessem ver os testemu­nhos materiais da sua cultura ancestral salvaguadados num Instituto ou Museu Etnográfico, que fosse não apenas um lugar de recolha e exposição, mas um verdadeiro centro de dinamização cultural.

   4. Se o debruçar-se mais a fundo sobre os valores cultu­rais, ainda não é função de um Instituto Politécnico, mais voltado para a formação técnica de profissionais destinados a operar nos sectores económicos, esperemos que a futura Universi­dade, que nascerá da sua transformação e enriquecimento, e constituirá a sua coroa, dê um especial destaque à dimensão cultural do povo do Alto Minho.